Com folhas de controle de mercadoria, tabela de valor do frete e contabilidade a organização agia como uma empresa
Sentença proferida pelo juiz titular da 2ª Vara Federal de Ponta Porã condenou 21 réus que integravam organização criminosa investigada na Operação Nepsis. A organização formou um verdadeiro consórcio de grandes contrabandistas, com a criação de uma sofisticada rede de escoamento de cigarros contrabandeados do Paraguai, a qual se estruturava em dois pilares: um sistema logístico de características empresariais e, ainda, a corrupção de policiais cooptados para participar do esquema criminoso.
Os caminhões utilizados pelo grupo eram na maioria roubados ou furtados e tinham os sinais de identificação modificados. De forma extremamente organizada, o grupo teria feito a passagem de aproximadamente 1.000 carregamentos de cigarros para o Brasil, entre janeiro e dezembro de 2017.
As investigações apontam negociações que indicam o pagamento de valores entre R$ 70 mil e R$ 120 mil por mês ao suposto grupo de policiais para permitir o escoamento de cigarros contrabandeados do Paraguai por rodovias paulistas.
Atuação da organização
Os patrões eram responsáveis por articular o controle do sistema logístico em nível estratégico e tático, estabelecendo rotas pelas quais funcionariam o "corredor logístico de passagem", contratando e demitindo gerentes e motoristas, indicando o valor que seria pago para os demais integrantes da organização criminosa, os dias de trabalho e de paralisação do transporte e determinando as ações que os gerentes devem adotar em situações consideradas críticas.
Por sua vez, os gerentes formavam o elo entre patrões e demais membros da organização, atuando especificamente no recrutamento, demissão e coordenação de todos os aspectos dos "olheiros", mateiros e motoristas dentro de sua região, organizando o transporte da carga no seu perímetro de atuação e mantendo contato com os policiais garantidores.
Os garantidores-pagadores recebiam valores mensais para garantir a passagem de cigarros contrabandeados em determinada rota, agenciam outros policiais de sua região para a organização, informavam o monitoramento das atividades de fiscalização na região, serviam como ligação entre a organização e outros policiais que entram no esquema, possuindo contato direto com os gerentes, aos quais: (i) informavam quem eram os policiais acertados; (ii) organizavam pagamentos; (iii) negociavam o pagamento de valores por mês; e, (iv) providenciavam a abordagem/fiscalização nos veículos que a organização criminosa suspeita serem viaturas policiais descaracterizadas.
A atuação dos batedores (“namorados”) era monitorar a fiscalização em tempo real, percorrendo trechos ou a integralidade do corredor logístico com escopo de mitigar a possibilidade de os motoristas da carga serem abordados por policiais que não eram coniventes com a organização criminosa.
Por fim, os olheiros se posicionavam nos pontos estabelecidos pelos gerentes para observar a passagem de veículos e relatar tudo o que considerava relevante para o gerente, especialmente os veículos "suspeitos", ou seja, veículos de forças policiais descaracterizados que transitavam na via do corredor logístico.
Comunicação
Outro aspecto de suma importância para a organização criminosa era a comunicação entre seus integrantes, sempre com a adoção de medidas que dificultassem a interceptação pelas autoridades policiais, por conseguinte, utilizavam-se de telefones celulares, aparelhos de rádio ("caixinha") e do aplicativo WhatsApp. Neste ponto o Ministério Público Federal arrola as seguintes peculiaridades do sistema de comunicação: (i) os motoristas recebem os aparelhos utilizados durante a viagem e esses são comumente descartados após a entrega da carga; (ii) os gerentes e outros contrabandistas trocam de celular em uma média semanal ou quinzenal; (iii) na comunicação a rádio, que complementa a comunicação via celular, a troca de frequência era praticamente diária, mediante ordens emanadas dos escritórios das bases operacionais; e (iv) a transmissão dos "bingos" (lista diária de carregamentos, motoristas e batedores) e a comunicação com os policiais- garantidores e os patrões que ficam em solo paraguaio era feita por WhatsApp. ”
Sentença
Entre os réus que lideravam a organização, Angelo Guimarães Ballerini foi condenado a 64 (sessenta e quatro) anos, 10 (dez) meses e 12 (doze) dias de reclusão, e pena de multa de 650 (seiscentos e cinquenta) dias-multa, no regime fechado e Valdenir Pereira dos Santos, condenado a 66 (sessenta e seis) anos, 08 (oito) meses e 19 (dezenove) dias de reclusão, e pena de multa de 650 (seiscentos e cinquenta) dias-multa,no regime fechado.
O grupo esteve em atuação por pelo menos 5 anos e, conforme informações da Polícia Federal, estima-se que o esquema em mercadorias contrabandeadas tenha causado prejuízo de R$ 1,5 bilhão para os cofres públicos.
Ação Penal: Nº 0002485-19.2016.4.03.6005
Seção de Comunicação Social